O uso da tecnologia a favor do Poder Judiciário brasileiro

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email

O uso da tecnologia a favor do Poder Judiciário brasileiro

O Código de Processo Civil estabelece, em seu artigo 246, que a citação deverá ser realizada por meio de correios, oficial de justiça, escrivão ou chefe da secretaria caso o citando compareça em cartório, por meio de edital ou por meio eletrônico, conforme regulado em lei.

O §1º deste mesmo artigo, já atento ao avanço tecnológico, mas ainda de forma tímida, estabeleceu que as empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastros nos sistemas de processo em autos eletrônicos, com exceção das microempresas e das empresas de pequeno porte. Tal diretriz favoreceu, de forma sem igual, a celeridade e a economia processual, primando pela duração razoável do processo. Mas ainda não paramos por aí.

Com a aceleração do avanço tecnológico, principalmente em razão da pandemia da Covid-19 em março de 2020, que nos obrigou a adaptar toda a nossa rotina pessoal e profissional ao formato digital e eletrônico, verificou-se uma inovação também na forma de trabalho do Poder Judiciário, que passou a priorizar o trabalho remoto, por conta do distanciamento social, com atendimento das partes e advogados de forma virtual, audiências virtuais, sustentações orais virtuais e, por que não, citação por meio de aplicativo, ou seja, de forma também virtual.

Segundo o site Resultados Digitais, o Whatsapp ocupa a segunda posição da rede social mais utilizada pelos brasileiros. Ora, temos nossos pais e avós de 60, 70, 80 anos que utilizam o aplicativo. A facilidade de comunicação que ele nos proporciona é sem igual, pessoas até mesmo fecham negócios por meio dele, adquirindo produtos, fazendo pagamentos e participando de reuniões e negociações. Como dito, até mesmo as audiências nessa época de pandemia estão sendo realizadas por meio deste aplicativo, onde criam-se grupos com todas as partes do processo para a realização da solenidade, o que nos mostra a todo momento a tendência de que tais ferramentas vieram para ficar, e que o Judiciário está estreitando laços com a tecnologia e a utilizando a seu favor, na otimização de seus procedimentos, em busca da celeridade processual.

Seguindo esta tendência, o Superior Tribunal de Justiça, no informativo 688 no Habeas Corpus n° 641.877, admitiu a utilização de citação por meio do aplicativo Whatsapp, desde que com a adoção de medidas suficientes para atestar a identidade do citando. Na decisão, o Relator, Ministro Ribeiro Dantas, pontuou que a tecnologia atual permite que o oficial de justiça possa aferir a autenticidade do número de telefone da parte, através da exigência de foto ou de qualquer outro documento/medida que sejam aptos a confirmar a identidade do destinatário:

(…) Como cediço, a tecnologia em questão permite a troca de arquivos de texto e de imagens, o que possibilita ao oficial de justiça, com quase igual precisão da verificação pessoal, aferir a autenticidade da conversa. É possível imaginar-se, por exemplo, a exigência pelo agente público do envio de foto do documento de identificação do acusado, de um termo de ciência do ato citatório assinado de próprio punho, quando o oficial possuir algum documento do citando para poder comparar as assinaturas, ou qualquer outra medida que torne inconteste tratar-se de conversa travada com o verdadeiro denunciado. (…) há no aplicativo foto individual dele. Nesse caso, ante a mitigação dos riscos, diante da concorrência de três elementos indutivos da autenticidade do destinatário, número de telefone, confirmação escrita e foto individual, (…) 9. Habeas corpus não conhecido, mas ordem concedida de ofício para anular a citação via Whatsapp, porque sem nenhum comprovante quanto à autenticidade da identidade do citando, ressaltando, porém, a possibilidade de o comparecimento do acusado suprir o vício, bem como a possibilidade de se usar a referida tecnologia, desde que, com a adoção de medidas suficientes para atestar a identidade do indivíduo com quem se travou a conversa”. (grifo nosso)

(STJ – HC: 641.877 – DF 2021/0024612-7, Relator: Ministro Jorge Mussi, Data do julgamento: 01.02.2021)

 

Veja que a decisão da 5ª Turma do STJ, trata de um habeas corpus impetrado em virtude de violência doméstica. Neste caso, o ato citatório é crucial, já que pode custar a liberdade do acusado, visto ser o primeiro momento que ele possui para defender-se da acusação que lhe foi feita. Sem dúvida, o STJ fora bem cuidadoso ao analisar a forma de citação realizada e a sua validade, mas não deixou de fazer o uso do meio eletrônico, se cercando de todos os cuidados para que fosse feito de maneira adequada, eficiente e segura.

Os Tribunais de Justiça, da mesma forma, já estão utilizando essa tecnologia para realizar a citação das partes, como é o exemplo do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, nos autos do processo n° 0002863.35.2021.8.19.1.0212, que tramita no Juizado Especial Cível da região oceânica de Niterói:

 

“Cite-se e intime-se a Ré através do aplicativo de mensagens, no número de telefone indicado às fls. 61, nos termos da decisão de fls. 45”. (Processo nº 0002863.35.2021.8.19.1.0212, Juizado Especial Cível da Região Oceânica, Juíza: Renata Guimarães Rezende Rodrigues, Data: 01.07.2021)

 

Fato é que as decisões acima são um grande marco e avanço na história das citações processuais, de modo que significa que o Poder Judiciário está utilizando a seu favor a tecnologia, o que contribui, e muito, com todos que fazem parte da cadeia processual. Está, de fato, primando pela efetividade do processo, pela sua duração razoável e pela economia processual sem, no entanto, violar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Admitir a citação por meio de Whatsapp na fase de conhecimento e, especialmente, na fase de execução, é de grande valia e uma conquista poderosa para o mundo jurídico.

Imagine quão longe um oficial de justiça poderá chegar e o quanto esse sistema de citação “eletrônico” poderá otimizar o seu trabalho? Atualmente, existem locais de difícil acesso, que muitos oficiais de justiça não conseguem comparecer para citar as partes, pois além de tudo há perigo à vida. Sem contar que em inúmeros processos judiciais no Brasil, há execuções que demoram anos até que se consiga citar um executado, pois existe todo um trâmite processual de localização de endereço, recolhimento de custas, deferimento do requerimento pelo juízo, trâmite do cartório, dentre outros. Esta morosidade, muitas vezes, acaba por prejudicar os credores e beneficiar o devedor, que pode, durante esse tempo “perdido”, dilapidar o seu patrimônio e, consequentemente, frustrar a execução.

A facilidade e agilidade que a citação por meio do Whatsapp trará ao processo de conhecimento e de execução é inegável. Além disso, prezará por dois princípios importantes do nosso ordenamento, o da economia e o da celeridade processual, que tanto os operadores do direito almejam.

Sem dúvida, é necessário que o Poder Judiciário acompanhe o avanço da tecnologia, faça uso de seus benefícios na otimização de seus procedimentos e se adapte as novas opções e inovações que estão ao seu alcance, sempre, claro, com as ponderações e os cuidados que o sistema exige, sem nunca perder de vista o direito à ampla defesa e ao contraditório.

*Arina Vale é advogada e atua nas áreas de Contencioso e Recuperação de Créditos do escritório Albuquerque Melo Advogados

Publicado por Jornal Web Digital