‘O que Deus uniu, o homem não separe’: O ano em que a Lei do Divórcio dividiu o país

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‘O que Deus uniu, o homem não separe’: O ano em que a Lei do Divórcio dividiu o país

Os motoristas, passageiros de ônibus e pedestres que subiam e desciam a Avenida Rio Branco se surpreenderam quando, no dia 8 de junho de 1977, encontraram grandes faixas presas no alto de uma das principais vias do Centro com mensagens como “Não à ameaça do divórcio” e “O que Deus uniu o homem que não separe”. As frases haviam sido colocadas ali pela Arquidiciose do Rio de Janeiro.

Ao longo daquele ano, a discussão sobre a adoção do divórcio no Brasil dividiu a opinião pública. De um lado, os conservadores a favor da posição da Igreja Católica. Do outro, os progressistas em prol das liberdades individuais. Cada grupo se mobilizou como pôde para influenciar a população.

Até então, havia apenas o desquite, que separava cônjuges e seus bens, mas não rompia os vínculos matrimoniais, o que impedia uma nova união. Além disso, o casamento civil era habitualmente acompanhado do religioso, e a tese da indissolubilidade do matrimônio era defendida pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e pela organização Tradição, Família e Propriedade (TFP).

'O que Deus uniu, o homem não separe', diz outra faixa no Centro do Rio

No mesmo mês de junho em que a Arquidiocese espalhou as faixas, a Campanha Nacional Pró-Divórcio manteve três mesas abertas em diferentes bairros do Rio durante oito dias. De acordo com reportagens do GLOBO na época, os “divorcistas”, como eram chamados, conseguiram recolher cerca de 60 mil assinaturas em favor da nova lei. O fato foi considerado uma “explosão divorcista, um anseio popular”, segundo Maria Lúcia D’Ávila, uma das líderes da campanha.

A disputa se prolongou durante meses, ganhando destaque no Congresso Nacional. O ponto final na discussão aconteceu apenas em 27 de dezembro de 1977, com a sanção do então presidente, o general Ernesto Geisel, à lei já previamente aprovada na Câmara dos Depuatdos e no Senado. O episódio foi a consagração do político baiano Nelson Carneiro (MDB). Eleito senador pelo Estado do Rio, ele havia tomado o divórcio como sua bandeira política ainda em 1951, quando ainda era deputado federal eleito pela sua terra natal, a Bahia.

Mulheres colhem assinaturas pró-divórcio em Copacabana, em 1977

Dois dias depois da sanção, o GLOBO publicou uma entrevista com a primeira mulher a conseguir a homologação do seu pedido de divórcio no Brasil, a juíza de paz Aretuza Figueiredo Henrique Silva de Aguiar, de Niterói. Ela foi ao cartório com seu ex-marido no dia 28 de dezembro de 1977, dois dias depois da aprovação da lei no Senado Federal, para converter seu disquite em divórcio. A homologação do pedido da magistrada aconteceu em apenas um dia.

A juíza já havia, inclusive, marcado a data de seu segundo casamento.

“Esta história daria até novela. Nós nos conhecemos há 25 anos, namoramos, mas não chegamos a casar. Nunca mais nos vimos, mas voltamos a nos encontrar há cinco anos, já desquitados. Agora, graças ao divórcio, vamos legalizar um casamento que já existe de fato”, disse ela, antes de contar por que escolheu ser juíza de paz: “Faço direito de família por espírito solidário. Tenho experiência de separação e sei o quanto essa fase, às vezes, é difícil. Mas acredito também que são necessários consciência e capacidade de discernimento para chegar a esse estágio”.

Aretuza Aguiar, primeira mulher a conseguir um divórcio no Brasil

 

Publicado por O Globo