O avanço nos índices de vacinação proporcionou a flexibilização nas medidas de contenção da covid-19 e um “normal diferente” começou a surgir. Nessa nova era, aumenta a responsabilidade do empregador em garantir um ambiente de trabalho seguro. Por conta disso, restringir o acesso dos funcionários que não se imunizaram – e, eventualmente, até demiti-los por justa causa – entrou no radar das companhias.
No dia 1º de novembro, foi publicada uma portaria assinada pelo ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, que proibia empresas de pedir comprovante da vacinação ao contratar empregados e de demitir por justa causa o funcionário que não tomasse vacina. A portaria caracterizava as medidas como “discriminatórias”.
Na última sexta-feira (12), a portaria foi suspensa pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso. “Oproblema é que essa portaria já nasceu inconstitucional”, diz a advogada Lisiane Mehl Rocha, sócia na Lisiane Mehl Rocha e Advogados Associados. “O ministério do Trabalho não tem competência para legislar sobre esse assunto”, explica.
Para Lisiane e outros especialistas em direito trabalhista consultados, a falta de uma lei efetiva sobre as obrigações de empresas e funcionários em relação às medidas contra covid-19 prejudicam a retomada e geram insegurança jurídica.
Diante da legislação atual, é permitida a demissão por justa causa do funcionário que não se imunizar contra covid-19? A resposta é: depende da situação. “Não se trata apenas de demitir. A empresa deve, preliminarmente, adotar políticas claras de incentivo à vacinação e mostrar a sua obrigação legal de adotar medidas preventivas”, destaca o sócio da Boaventura Ribeiro Advogados, Mourival Boaventura Ribeiro, especializado em direito trabalhista.
Caso o colaborador persista em resistir à imunização, a companhia pode aplicar advertências e até suspensões. Se nada adiantar, pode ocorrer a rescisão do contrato por justa causa. “Quando o funcionário é demitido dessa maneira, o empregador deve informar a razão, a falta cometida. Eu entendo que só é possível demitir por justa causa quando já existe uma regra anterior estabelecendo a obrigatoriedade da vacina”, afirma Lisiane.
Os advogados lembram que a empresa tem a obrigação legal de proporcionar um ambiente seguro e saudável aos colaboradores e, caso alguém se contagie com o vírus no trabalho, isso pode ser considerado uma doença ocupacional.
Com isso, a organização seria obrigada a garantir estabilidade e indenizar o funcionário caso haja sequelas, conforme explica Ribeiro. “É um problema triplo para a empresa”, ressalta.
Alternativas à demissão
A advogada Domênica Marques, do Albuquerque Melo Advogados, sugere que a empresa evite a demissão por justa causa e prefira outras opções, como colocar o trabalhador em home office ou em uma atividade na qual não esteja em contato com os demais colegas, por exemplo.
“Deve haver muita cautela na aplicação da justa causa, a medida mais grave prevista na CLT. O empregado fica sem praticamente nenhuma verba rescisória, não saca fundo de garantia e não pode se habilitar para o seguro-desemprego”, afirma Domênica.
Para Ribeiro, a situação é semelhante ao que ocorre em relação à proibição de fumar em ambientes fechados. “A lei não te proíbe de fumar, mas sim de fumar em locais fechados. Então, o empregado pode recusar a vacina, mas tem que arcar com as consequências da recusa”, salienta.
Domênica Marques espera que a pandemia tenha deixado alguma lição que ajude na convivência futura entre empresas e funcionários.“E espero que o legislativo trabalhe e elabore leis imparciais que proporcionem um ambiente de trabalho saudável”, complementa.
Publicado por Época Negócios