Pandemia enfraqueceu redes de apoio e aumentou vulnerabilidade das mulheres, avalia Tatiana Naumann, advogada especializada no tema
A pandemia da Covid-19 trouxe angústias a mais para as mulheres vítimas de abusos e violência doméstica: o isolamento, o silêncio e o aumento da vulnerabilidade familiar. Com a quarentena inicialmente imposta pelas restrições sanitárias, os serviços públicos arrefeceram sua capacidade, alguns fecharam as portas e os canais de denúncia, que já não eram o bastante, perderam sua força. Os dados da última edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública comprovam: no primeiro semestre de 2020, houve redução de 10,9% nos registros de lesão corporal dolosa contra as mulheres, 16,8% nos de ameaças, 23,5% nos estupros de mulheres e 22,7% nos estupros de vulneráveis. No mesmo período, em comparação com o primeiro semestre de 2019, houve um aumento de 0,8% nos homicídios dolosos de mulheres e 1,2% nos casos registrados como feminicídios. A conclusão dos pesquisadores é de que houve queda nos registros de crimes que dependiam principalmente da presença física da vítima nas delegacias, principalmente pelo medo do vírus e pelas maiores dificuldades de acesso aos serviços.
Após o período de quarentena, com a volta da atividade econômica, ainda assim muitas mulheres se viram em situações de vulnerabilidade familiar, com o maior tempo passado em casa, maior carga de trabalho doméstico, convívio com crianças, idosos e familiares, desemprego e aumento da dependência financeira, muitas vezes, do agressor. Esses fatores são ressaltados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública como um alerta para a condição da mulher no pós-pandemia.
Mesmo com leis específicas sobre o tema, como a 13.104/15, que tipifica o crime de feminicídio com penas de 12 a 30 anos de prisão, e a 11.350/06, conhecida como Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher continua em crescimento no país. De acordo com Tatiana Naumann, advogada em Direito de Família, sócia do escritório Albuquerque Melo e especialista no atendimento de casos de violência contra a mulher, além da existência de leis e da ampla divulgação dos casos, é preciso avançar no enfrentamento do problema. “Hoje vive-se um legado discriminatório em que, estatisticamente, há uma escalada de agressividade. Começa com uma violência psicológica que se não for combatida levará a um feminicídio. Há um ciclo de violência em que a mulher está, em sua grande maioria, em situação de vulnerabilidade”.
Já prevendo que poderia haver aumento de casos de violência contra as mulheres na pandemia, combinada com a subnotificação, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou cinco recomendações aos seus países-membro, como forma de aumentar a rede de proteção. Dessas cinco, o Brasil atendeu a apenas uma: a criação ou adaptação de aplicativos online para a realização de denúncias, como forma de expandir os canais. As outras medidas, a seguir, não foram adotadas institucionalmente, em nível nacional, pelo Brasil: a criação de abrigos temporários para vítimas de violência de gênero; o estabelecimento de serviços de alerta de emergências em supermercados e farmácias; o aporte de investimentos em organizações da sociedade civil voltadas para o combate à violência contra a mulher; e a declaração de abrigos e serviços de atendimento à mulher como essenciais.
Para Tatiana Naumann, a violência aumenta, entre outros fatores, por causa da falta de temor dos agressores perante a lei penal. “No Direito, rege o princípio do caráter repressivo da lei, o que não tem sido observado pelo destemor dos agressores em relação às consequências da legislação”, afirma ela. Embora as agressões físicas e sexuais sejam a face mais chocante do problema, os ataques às mulheres começam com a violência psicológica por meio de insultos, humilhações e restrições de ação ou de liberdade, passando por violência patrimonial, quando a mulher é impedida de obter seu sustento ou quando tem seu dinheiro e bens controlados ou até mesmo destruídos.
Saiba mais sobre os tipos de violência:
Relacionamentos abusivos: Tudo pode começar pelo relacionamento abusivo, que é quando o agressor toma conta da vida da mulher sem que ela perceba. Aos poucos, exerce influência sobre ela, praticando controle, manipulação, estabelecendo proibições e expondo a mulher a julgamentos. Ela vai se sentindo diminuída e vulnerável e acaba enredada numa armadilha que pode culminar em outros tipos de violência.
Violência Sexual: qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.
Violência Física: entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal.
Violência Psicológica: condutas que causem danos emocionais e diminuição da autoestima, ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação.
Violência Patrimonial: entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.
Tatiana Naumann – advogada especializada em Direito de Família e atua em casos de violência contra a mulher. É sócia do escritório Albuquerque Melo. Possui pós-graduação em Direito Processual Civil e em Direito Público e Privado.
Publicado por Blog Jornal da Mulher