Pets em imóveis alugados: como lidar com os conflitos?

Pets em imóveis alugados: como lidar com os conflitos?

Não é de hoje que imobiliárias precisam lidar com conflitos relacionados aos animais de estimação em imóveis alugados. Mas nunca o jogo de cintura foi tão necessário quanto agora, quando os bichinhos domésticos parecem ter invadido definitivamente os espaços de convívio das pessoas, seja em casas ou apartamentos.

Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet), o Brasil tem atualmente a segunda maior população de cães, gatos e aves canoras e ornamentais em todo o mundo e é o terceiro maior país em população total de animais de estimação. São quase 140 milhões de pets ao todo no País, predominantemente cachorros (54,2 milhões) e gatos (23,9 milhões).

Outra instituição do segmento, a consultoria alemã GFK, pesquisou dados de 22 países para levantar a distribuição dos pets. No Brasil, 58% das casas têm cães, enquanto 28% têm gatos. A média mundial indica que em 33% dos lares há cães e em 23% existem gatos.

Essa proximidade entre brasileiros e seus amigos de outras espécies se reflete, é claro, na moradia. O Censo QuintoAndar, estudo realizado pelo unicórnio em parceria com o DataFolha com quase 4 mil pessoas de todas as regiões do País, divulgado no ano passado, mostrou que 61% dos entrevistados possuíam algum animal de estimação.

Antes, em 2021, outro levantamento do QuintoAndar apontou os filtros mais usados na hora de procurar um imóvel. O mais escolhido foi “Pode ter animais de estimação” (23%), acima de “Perto de metrô ou trem” (14%), “Mobiliado” (14%), “Não mobiliado” (10%) e “Armários na cozinha” (8%).

É difícil especificar uma única causa para o grande número de famílias brasileiras com animais de estimação, mas as principais podem estar ligadas ao aumento do poder aquisitivo da população ao longo das últimas décadas e à disseminação do home office – com as pessoas passando mais tempo em casa, elas tendem a buscar mais a companhia dos animais de estimação, além de terem mais condições de cuidá-los de perto.

O fato é que, com tantos bichos dentro das casas, as imobiliárias têm sido mais demandadas para apaziguar ânimos quando há discordância entre inquilinos, proprietários ou mesmo condôminos.

O que diz a lei?

A grande maioria das imobiliárias tende a estimular o livre arbítrio dos proprietários quanto a permitir ou não a presença de animais domésticos em seus imóveis. É claro que essa imposição é um fator limitante em termos de oferta e procura, como vimos nos números acima, e cabe à administradora argumentar que, além de reduzir a liquidez na desocupação, os danos eventualmente causados pelos bichos podem (e devem) ser ressarcidos pelos inquilinos.

Se o proprietário for intransigente, ok, o imóvel segue para o anúncio com a restrição para a presença dos pets. Mas a proibição está 100% amparada na lei?

No Brasil, não existe uma lei federal que proíba ou permita que animais de estimação sejam criados em imóveis alugados. No entanto, a Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91) prevê que o inquilino deve utilizar o imóvel de forma “compatível com a sua destinação”.

A validade das cláusulas estabelecidas em contrato de locação que proíbam a criação de animais de estimação no imóvel pode ser questionada judicialmente, já que elas podem ser consideradas abusivas e contrárias aos direitos fundamentais dos animais e de seus tutores.

De acordo com o entendimento jurisprudencial, a proibição de animais de estimação no imóvel alugado só é válida nos casos em que o animal representa uma ameaça à saúde, à segurança ou à tranquilidade dos demais moradores do condomínio ou do imóvel, ou em que o imóvel não possui condições adequadas para a criação de animais.

“Pelo contrato de locação ser uma livre estipulação entre partes, é bastante comum que sejam estabelecidas cláusulas que proíbam ou mesmo dificultem a criação de animais de estimação em imóvel, especialmente quando existe regramento condominial no mesmo sentido. Essas cláusulas podem ir desde a proibição absoluta como podem ser mais neutras, prevendo a proibição de animais de grande porte, ou mesmo com estipulações específicas no que toca ao direito de indenização do locador em caso de danos ou prejuízos ao imóvel – o que garante um maior equilíbrio na relação. Portanto, é de extrema importância que as regras sejam expressas, bem claras, e previamente informadas pelo locador ao locatário, antes da assinatura do contrato de locação”, orienta Rafael Verdant, advogado do escritório Albuquerque Melo e especialista em Direito Imobiliário e em Direito Processual Civil.

Segundo Verdant, os julgamentos mais recentes caminham para uma flexibilização do tema. Ou seja, em sua maioria, os juízes vêm decidindo pela nulidade de estipulação contratual que preveja a proibição absoluta de manutenção de animais em imóvel locados, principalmente quando se trata de cães de pequeno porte, gatos, peixes ornamentais e pássaros, por esses não serem nocivos à tranquilidade nem apresentarem riscos ao imóvel ou à vizinhança.

“Por certo, o inquilino pode entrar com ação judicial, visando a permissão de entrada e permanência do seu animal de estimação na unidade, sob todos os argumentos de ausência de prejuízos ao imóvel, à vizinhança e ao contrato”, ressalta o advogado.

Porém, a discussão pode pender para o lado do proprietário se for evocado o comportamento contraditório do locatário. “Ou seja, ele não poderia ter anuído com previsão contratual expressa, em primeiro momento, para em seguida vir a Juízo reclamar-lá”.

Como conciliar as divergências?

Como muitas vezes há uma distância entre o estipulado no contrato de locação e a vida real, não é incomum o inquilino simplesmente desrespeitar a proibição de manter animais de estimação no imóvel alugado. Como proceder nesses casos?

Para Moira Toledo Bossolani, advogada, vice-presidente de Administração Imobiliária e Condomínios do Secovi-SP e diretora da Lello Imóveis, uma boa conversa é sempre o melhor caminho.

“O uso de técnicas de negociação e de comunicação não violenta pode ajudar muito. A relação locatícia é feita para durar no tempo. Isso é interessante para locador e locatário. Assim, um bom argumento é lembrar o quanto o cumprimento dos combinados é importante para esse objetivo”, aponta Moira.

Caso não resolva, soluções mais duras podem ser a aplicação de multa contratual e a notificação extrajudicial exigindo a remoção do animal, sob pena de caracterizar grave infração contratual – ainda que isso não seja suficiente e possa levar à judicialização do caso.

Se o inquilino persistir em manter o animal de estimação no imóvel mesmo após a notificação e aplicação da multa, a imobiliária pode rescindir o contrato de locação com base no descumprimento de cláusula contratual.

Nesse caso, é importante que a imobiliária siga os procedimentos legais para a rescisão de contrato, como a notificação prévia do inquilino, o cumprimento dos prazos estipulados em lei e a coleta provas do descumprimento do contrato, como fotos ou vídeos do animal de estimação no imóvel e relatos de vizinhos incomodados, para evitar o risco de ser acusada de discriminação.

“Evidentemente, é importante que o profissional tenha bastante tato para contornar a situação. E, até mesmo em vista das decisões mais recentes dos tribunais, buscar formas de garantir os direitos do proprietário, propondo uma vistoria detalhada e documentada para formalizar a real condição do imóvel, como forma de imputar ao locatário algum dano causado ao longo da locação”, diz o advogado Rafael Verdant.

Danos ao patrimônio

E qual o procedimento sugerido quando o imóvel foi parcialmente danificado pelo animal de estimação do inquilino – como, por exemplo, pés de móveis parcialmente roídos ou marcas de arranhões nas paredes ou na mobília?

Para a diretora da Lello, o primeiro passo é a constituição da prova. “Vistorias que registrem os danos e, se possível, com a assinatura de ambas as partes. Se não for possível, porque a parte se recusa a assinar, pode ser feita uma ata notarial”.

“Além disso, é fundamental a avaliação de custo para indenizar o dano, bem como a exigência da remoção do animal para que os danos não se ampliem. Por fim, muita conversa e negociação. A judicialização deve sempre ser a derradeira opção”, sugere a advogada e gestora da Lello.

Aquisição de pet durante a locação

Caso o inquilino adquira um pet durante o período de locação, sem que haja restrição no contrato, o proprietário perde o direito de solicitar a proibição da presença do animal.

Segundo o advogado Rafael Verdant, neste caso prevalece o princípio da legalidade em sentido amplo, ou seja, que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer, senão em virtude de lei (e aqui o contrato pode ser entendido como a lei que estipula a relação comercial).

Porém, ele ressalta que é dever do proprietário interromper todas as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde da vizinhança. “Logo, caberia ao locador acionar o locatário em situações extremas, com base na Lei do Inquilinato e no Código Civil Brasileiro”, observa.

Publicado por Newsletter Imobi Aluguel