O que o caso da advogada Tatiane Spitzner diz sobre o nosso Judiciário

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O que o caso da advogada Tatiane Spitzner diz sobre o nosso Judiciário

No último dia 10, após sete dias de julgamento, Luiz Felipe Manvailer foi condenado a 31 anos, 9 meses e 18 dias de prisão pelo homicídio qualificado de sua então esposa, a advogada Tatiane Spitzner. O fato ocorreu no dia 22 de julho de 2018.

As imagens das agressões imediatamente anteriores ao crime são chocantes, mas ainda assim a defesa alegou que se tratava de um suicídio.

O laudo do exame de necropsia do Instituto Médico-Legal (IML) apontou que a advogada foi morta por asfixia mecânica e, segundo a acusação, o marido teria matado Tatiane por esganadura, a jogou pela sacada e, em seguida, recolheu o corpo para o apartamento.

Como se não bastassem todos os esforços da defesa do réu no sentido de desqualificar a vítima, na vã e apelativa tentativa de provar a tese de que não houve esganadura, usou uma advogada assistente para demonstrar ao vivo, dentro de um Tribunal, como foi o “modus operandi” do crime.

Mais imagens chocantes, mas, dessa vez, a da advogada de defesa que foi obrigada a dispor de algo que, culturalmente, nós mulheres fomos condicionadas a dispor, mas que é indisponível: a integridade física. Ela foi derrubada no chão e simuladamente “asfixiada”. O desconforto era claro e o silêncio eloquente.

A cultura da submissão da mulher em relação ao homem está presente em filmes, músicas, e nos mais banais atos do dia a dia. Porém, normalizar absurdos é o que arruína um Estado Democrático de Direito. Não fosse a atual possibilidade dos julgamentos serem filmados, a população não teria ideia de que absurdos como esse acontecem e são sempre relativizados.

Isso sem falar no tempo de espera por uma sentença condenatória: vamos lembrar que o fato ocorreu em julho de 2018 e que a condenação ocorreu em maio de 2021. E ainda cabem recursos para defesa (embora a prisão preventiva tenha sido mantida e o réu não possa recorrer em liberdade).

Que o vazamento dessas imagens seja emblemático para que nenhuma mulher mais seja obrigada a passar por essa dor física e moral como essa advogada foi constrangida a passar.

E por último, mas não menos importante, por todas as Tatianes Spitzner, Sabrinas Nominato, paremos de “deduzir” que feminicídios são suicídios. Deixemos de normalizar absurdos como uma mulher sofrer uma humilhação dessa magnitude em um julgamento em nome de “uma simulação “.

* Tatiana Moreira Naumann é é especialista em Direito de Família e sócia do escritório Albuquerque Melo

Publicado por O Globo