A legislação é eficaz, mas o machismo no Judiciário não dá voz a mulheres e crianças

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A legislação é eficaz, mas o machismo no Judiciário não dá voz a mulheres e crianças

Na esmagadora maioria dos casos, crianças em situação de abuso não mentem. Pelo contrário: deixam sinais bem evidentes de que estão em sofrimento psicológico ou físico, como, por exemplo, um pavor de se aproximar de um de seus genitores.

No caso do menino Henry Borel, por exemplo, morto pelo padrasto, o vereador Dr. Jairinho (afastado do Solidariedade), ele já havia sinalizado que vinha sofrendo violência. Infelizmente, no entanto, não foi ouvido, o que pode ter contribuído para o desfecho trágico do caso.

É importante deixar claro que a legislação, atenta a esta dificuldade de crianças relatarem casos de abuso, criou alguns mecanismos de proteção aos menores tais como a Lei nº 13.431, em 4 de abril de 2017.

A lei, que inicialmente foi criada para ouvir crianças vítimas de abuso e violência sexual, vem sendo também utilizada nos processos de alienação parental. Isto porque, crianças vítimas de alienação parental sofrem uma forma velada de violência psicológica.

O depoimento humanizado é uma iniciativa mais que necessária para o atendimento ao melhor interesse da criança. Tira-se o ar de “interrogatório” e a criança é ouvida de forma lúdica por uma psicóloga, numa sala reservada sem contato visual com os pais.

Os pais, advogados, juiz e um membro do Ministério Público, assistem o depoimento através de câmeras. No final, os advogados fazem perguntas ao juiz que por sua vez as redireciona à psicóloga, que, com a sua expertise, contextualiza a criança para que ela responda ao que foi perguntado.

Chama atenção, no entanto, que embora o arcabouço legislativo tenha sido eficaz, a mulher ainda é acusada de induzir as crianças nesse tipo de relato, especialmente nos casos de alienação parental, que não raro envolvem acusações de abuso.

Dentro de um processo de alienação parental movida pela mãe, mesmo após depoimento contundente da criança, ela não raro se vê em um processo de revitimização, ou seja, o pai mesmo diante de aterrorizantes relatos, descredibiliza a palavra da criança sob a alegação de que ela está sob influência da mãe.

Portanto, de nada adianta uma legislação eficaz se o Judiciário, culturalmente impregnado por um machismo estrutural, não der voz às crianças e às mulheres. É preciso ir além.

* Tatiana Moreira Naumann é é especialista em Direito de Família e sócia do escritório Albuquerque Melo

 

Publicado por O Globo