O juiz Otavio Calvet e a advogada Domênica Marques comentam a medida. Gestante, Aline Buzanello explica como a sanção da lei a impactou
A Lei 14.151/21, sancionada em maio, determina que as funcionárias gestantes devem se afastar imediatamente do trabalho presencial durante a pandemia da Covid-19, sem prejuízos no recebimento do salário.O texto do PL 3.932/20, que se refere ao assunto, indica que a empregada grávida deverá estar à disposição do empregador em trabalho remoto até o fim do estado de emergência na saúde pública.
Entretanto, embora o intuito da lei seja preservar a vida das futuras mães, a medida ainda traz dúvidas para a comunidade jurídica, que indica lacunas existentes no texto e a urgência de uma complementação. O juiz Otavio Calvet e a advogada Domênica Marques comentam o assunto.
Opinião sobre a lei: o juiz Otavio Calvet
De acordo com o juiz do Trabalho Otavio Calvet, a Lei 14.151/21 é uma muito curta e simples, com um intuito claro: tirar de imediato as gestantes do ambiente de trabalho presencial para preservar a saúde delas, proteger a maternidade e, em última análise, o próprio direito à vida delas e dos nascituros.
Otavio Calvet explica que, se o trabalho da gestante é compatível com o serviço à distância, não há problemas, porque não ocorre a quebra de equilíbrio do contrato de trabalho.
A gestante vai estar prestando o seu serviço e o empregador vai estar fazendo o pagamento da remuneração, porque a lei é muito clara ao dizer que esse afastamento do trabalho presencial é sem prejuízo da remuneração.
O conflito surge quando a gestante que passa a trabalhar em domicílio, o que é obrigatório e não uma opção do empregador, não tem a possibilidade de adaptar sua função ao home office, uma garçonete, por exemplo. Assim, cabe aoresponsável pela empresa ter que fazer uma mudança.
“Aí começam os problemas que estamos discutindo na área do Direito. A gente está com muitas indagações. A primeira coisa que a gente indica é, conversando com a gestante, que também tem que ter um dever de colaboração, a possibilidade de mudar a função”, diz o juiz Otavio Calvet.
Assim, se hoje há uma gestante na função de garçonete, quando ela for trabalhar em sua residência, ela passaria a fazer um trabalho administrativo ou a atender os pedidos do delivery do restaurante, pelo telefone. “Uma alteração das atividades nesse momento emergencial, para nós, parece bastante razoável”, conta o juiz.
O agravante é se, de fato, não houver como a gestante trabalhar em domicílio nem na tarefa original, nem com alguma alteração de função para enquadrar nessa nova realidade. O juiz explica que a possibilidade existente é de o empregador adotar a Medida Provisória nº 1046/21 que está em vigor e permite, por exemplo, antecipar férias para a gestante.
“Ela iria para casa, já entraria em férias antecipadas, mesmo que ela não esteja com férias já adquiridas. Depois, lá na frente, ela compensa isso. Com isso, ela consegue, nesse momento, ficar afastada do emprego e sem prejuízo da sua remuneração, porque ela continua recebendo mesmo em férias”, pontua o juiz.
Otávio Calvet lembra que isso se aplica até a gestante entrar em licença-maternidade, pois é importante lembrar que a licença-maternidade não está afetada e, assim que a futura mãe tiver o momento correto de entrar de licença, ela deixa de trabalhar e passa a receber o benefício previdenciário, o salário-maternidade.
Outra grande discussão existente, que ainda é uma grande dúvida, corresponde à circunstância em que o empregador não consegue dar o trabalho à distância, antecipar férias ou outra medida assim. A questão seria se o empregador poderia suspender o contrato da gestante, uma medida prevista também em uma regra emergencial e que está em vigor através da Medida Provisória 1.045/2021. Nesse caso, a gestante não receberia a sua remuneração, ela receberia o benefício emergencial pago pelo governo.
“É aí a grande dúvida, as opiniões não são unânimes, existe uma grande questão jurídica por trás. A meu ver, quando você suspende o contrato de trabalho, você prejudica a remuneração da gestante, porque são duas coisas diferentes: uma coisa é receber um benefício emergencial do governo, calculado no valor do seguro desemprego, outra é ficar em casa, à disposição do empregador, recebendo a remuneração integral, sem prejuízo, como se estivesse trabalhando”, relata o juiz
Desse modo, juiz Otavio Calvet se coloca entre aqueles que estão defendendo que a gestante não pode ter prejuízo nenhum por conta do afastamento do trabalho presencial.“Eu entendo que a gestante não vai poder entrar nessa suspensão do contrato. Há quem defenda que ela poderia entrar nessa suspensão, receber o benefício emergencial e o empregador completar a diferença para ela não ter prejuízo na remuneração”.
Na opinião do juiz, isso é menos pior, mas também parece perigoso para o empregador.
“É um risco que o empregador vai ter que analisar, porque quando o contrato fica suspenso, a gente tem que lembrar que não conta tempo de serviço, não tem FGTS, não tem contribuição previdenciária para o INSS, então acaba afetando os direitos da gestante”.
Otavio Calvet conclui ao dar a sua percepção do caso: o legislador quis, de fato, proteger a gestante e a maternidade e, nesse momento emergencial, quis atribuir esse custo social ao empregador.
“É como eu vejo. Eu acho que o legislador pode ter feito uma escolha que talvez não tenha sido a melhor, porque outras seriam possíveis. O que eu acho que seria ideal é essa gestante ter acesso à um benefício previdenciário, para o empregador não ter que pagar essa conta, porque as empresas estão em dificuldade financeira. Mas, entendo que é uma escolha válida e que tem que ser observada de imediato”.
Publicado por Papo de Mãe – UOL