As soluções extrajudiciais, através do diálogo, trazem acordos mais flexíveis, preservando o diálogo entre as partes.
Você sabia que a solução extrajudicial em uma relação de consumo pode ser bem mais vantajosa do que entrar com uma ação na Justiça? Isso porque o processo judicial pode ser longo e custoso. Optar por uma solução extrajudicial frequentemente resulta em economia de tempo e dinheiro.
Ademais, nas negociações diretas, que trazem acordos mais flexíveis, o consumidor pode personalizar a solução para atender às suas necessidades específicas, ao invés de ficar preso às normas rígidas da Justiça. Isso sem contar que as soluções extrajudiciais preservam a relação entre as partes. Afinal, ao buscar o diálogo, essencial em situações que envolvem empresas e clientes, é possível manter um bom relacionamento.
Solução extrajudicial em pauta
Foi com essas verdades em mente que a 2ª Seção Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) publicou uma tese recentemente estipulando que, para que o consumidor possa buscar a via judicial, é fundamental que primeiro ele tente uma resolução extrajudicial. Essa tentativa deve ocorrer por meio de canais oficiais, como Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC), Procon, Banco Central ou o Consumidor.gov, por exemplo.
Caso o consumidor não comprove essa tratativa durante o processo judicial, este pode ser encerrado sem análise do mérito. A decisão é um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), ferramenta que visa uniformizar a jurisprudência e evitar a multiplicação de ações judiciais com fundamentos semelhantes. Sua aplicação é de extrema relevância, especialmente em casos que envolvem grandes quantidades de processos com questões idênticas, proporcionando segurança jurídica e celeridade na resolução de conflitos.
Mas, o que, na prática, essa tese impacta as relações de consumo de todo o Brasil?
Consumidores x Empresas
De acordo com Renata Belmonte, líder da equipe de Prevenção de Litígios e Recuperação de Créditos do escritório Albuquerque Melo, essa decisão representa um marco. Isso porque ela estabelece diretrizes claras sobre as responsabilidades de consumidores e fornecedores.
“As empresas têm, por lei, um prazo de 30 dias para solucionarem as questões dos consumidores. No entanto, muitas vezes, o consumidor opta por ir diretamente ao Judiciário em busca de uma indenização por danos morais. Infelizmente, em alguns casos, os juízes não consideram esse prazo e acabam condenando as empresas, o que pode levar a um recurso contra essa decisão. Muitas vezes, esse processo tem um custo tão elevado que as empresas optam por pagar a condenação em vez de recorrer”.
Neste sentido, o entendimento do TJ/MG não é isolado. Arina do Vale, também advogada do Albuquerque Melo na área de Prevenção de Litígios e Recuperação de Créditos, ressalta que outros estados já estimulam a busca por acordos diretos com as empresas. “Esse é um entendimento que está se tornando cada vez mais comum. Em Santa Catarina, por exemplo, faz tempo que eles aconselham o consumidor a primeiro tentar a solução extrajudicial junto às empresas”.
Impacto da decisão
A decisão implica tanto um desafio quanto uma oportunidade para os prestadores de serviços. Além de investirem em canais de atendimento e em estratégias de comunicação claras com os consumidores, as empresas precisam desenvolver processos eficazes para lidar com demandas que não estão no âmbito judicial. “Vejo que o papel da comunicação nas empresas é crucial, pois é responsabilidade delas estabelecer canais acessíveis para interação com o consumidor. Ademais, é delas a responsabilidade de orientar sobre seus meios de atendimento, bem como as alternativas para a resolução de conflitos, como o Consumidor.gov e o Procon”, alerta Belmonte.
Ricardo Quass Duarte é sócio de Resolução de Disputas do Souto Correa Advogados. Em sua visão, a decisão do TJ/MG é correta: “muitas empresas só tomam conhecimento da reclamação do consumidor no Judiciário, o que é um despropósito”.
Litigância predatória
Tudo começa no seguinte fato: o consumidor tem um problema. Mas antes de procurar a empresa, ele procura o advogado. E, em vez de notificar previamente a empesa, o advogado ingressa com uma ação. “Em pesquisa realizada em 2017, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ/RJ), concluiu-se que, das quase 2.800 ações analisadas, propostas em Juizados Especiais Cíveis (JECs), em 57% dos casos o autor jamais havia realizado qualquer contato com o réu antes da propositura da demanda. Para agravar ainda mais o cenário, esse número chegava a 82% para os autores que já tinham proposto mais de 30 ações (ou seja, não poderiam sequer ser considerados ‘litigantes eventuais’)”.
Ou seja: se a empresa tomasse conhecimento do problema antes, o mesmo poderia ser resolvido de forma rápida e menos custosa. Não haveria necessidade de contratação de advogado, nem de pagamento de custas. E muito menos de aguardar o tempo necessário para que o processo seja resolvido.
“Todos sairiam ganhando. Além disso, o resultado de uma demanda judicial é sempre incerto. Por mais que a empresa ou o consumidor tenham direito, não necessariamente os Tribunais reconhecerão esse direito. Há muita insegurança jurídica sobre diversos temas”, alerta Ricardo Quass Duarte.
Litígios consumeristas
Questionado se a busca de solução extrajudicial pode reduzir os altos índices de litígio nessa seara, o especialista é enfático: “Certamente. Inclusive, empresas que adotaram métodos de resolução online de conflitos (os chamados ‘ODRs’), como Mercado Livre e eBay, reportaram índices altíssimos de solução extrajudicial. Em alguns casos, essas taxas atingiram 90%. Outras plataformas, como o próprio Consumidor.gov também têm tido ótimos índices de resolução de disputas. Se as empresas e os consumidores perceberem que todos saem ganhando com a solução extrajudicial, certamente o número de processos será reduzido”, ressalta Ricardo.
Assim, em todo o Estado de Minas Gerais, o consumidor que ingressar com uma ação sem antes tentar uma resolução extrajudicial, terá como consequência a perda do pedido de indenização por danos morais.
Mas, Arina Vale reforça que o consumidor possui sim o direito de ação. No entanto, devido a essa previsibilidade legal, a realidade é que, se ele não tiver buscado o fornecedor anteriormente, a única coisa que conseguirá é que o fornecedor resolva seu problema, mas não terá direito a danos morais, que certamente é o que o consumidor almeja ao se dirigir diretamente ao Judiciário.
Redução de processos
Embora exista um otimismo quanto à redução de processos, é importante ficar atento: a aplicação dessas medidas não deve se transformar em um obstáculo. “O Código de Defesa do Consumidor (CDC) garante direitos fundamentais, como o acesso à Justiça e a proteção contra práticas abusivas. A decisão do TJ/MG visa apenas incentivar que tentativas razoáveis de solução sejam feitas antes. Deve-se ter cuidado para que essa orientação não se torne uma barreira ou uma forma de adiar o direito do consumidor”, observa Belmonte.
A advogada recomenda ainda que as empresas mantenham equipes especializadas para atender os consumidores. “Em nosso escritório, por exemplo, temos uma área exclusiva voltada à prevenção de litígios, atuando diretamente nos órgãos de proteção ao consumidor. Esse trabalho tem sido bastante frutífero, resultando na diminuição das ações judiciais de nossos clientes”.
Consumidores, advogados e empresas
O primeiro juiz da causa é o advogado. O art. 2º, VI, do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) estabelece que é dever do advogado “estimular, a qualquer tempo, a conciliação e a mediação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios”.
Assim, antes de ingressar com a ação em nome do consumidor, é dever do advogado orientá-lo a procurar a empresa para solucionar o seu problema. “Somente se o problema não for solucionado dentro do prazo estabelecido pela lei, ou de um prazo razoável, é que o advogado deve ingressar com a ação”, explica Ricardo Duarte.
Diante da decisão do TJ/MG, ele orienta as empresas a criarem canais e mecanismos que facilitem a resolução dos problemas dos consumidores. Ou seja, é preciso analisar efetivamente o problema e apresentar uma resposta dentro de um prazo razoável. “Antes disso, contudo, é necessária uma mudança de mentalidade: é necessário que elas abandonem a ‘cultura da sentença’ e passem a adotar a ‘cultura da pacificação’, como ensina o professor Kazuo Watanabe, juiz no Estado de São Paulo e desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo“, comenta o especialista..
Por fim, para os consumidores, fica a dica: muitos problemas podem ser resolvidos de forma amigável. Antes de recorrer à Justiça, avalie as opções disponíveis e busque a melhor solução para o seu caso.
Publicado por Consumidor Moderno