Obstáculos e desafios do setor aéreo brasileiro

Obstáculos e desafios do setor aéreo brasileiro

O impasse nos tribunais brasileiros pela aplicação de legislações específicas que regulamentam a aviação civil no país estão longe de serem superados, ainda que isso venha interferindo na segurança jurídica do setor e fomentando uma judicialização desenfreada. Algo que impacta diretamente na entrada de novos players no mercado brasileiro, e, portanto, na concorrência, além de colocar o Brasil em desigualdade mercadológica em relação à maioria dos países.

A todo momento, vemos que o Brasil está na contramão dos demais países, com adoção também de medidas regulamentares que acabam por trazer retrocessos para o setor. A mais recente delas, decorrente da vedação da cobrança pelo despacho de bagagens — já aprovada já pelo Congresso — vai novamente impactar as empresas que aqui operam, além de desestimular a competitividade, já que tal vedação restringirá a oferta aos passageiros e trará impactos diretos nos custos operacionais das companhias.

Mesmo o serviço de transporte aéreo brasileiro sendo considerado uma referência mundial e, ainda que tenhamos legislações específicas e pensadas para esta operação — que envolve inúmeras particularidades — nos deparamos com uma grande resistência dos poderes Legislativo e Judiciário quando da análise da operação e julgamentos advindos das relações entre companhias aéreas e passageiros, e na aplicação e elaboração das legislações que regulamentam o setor aéreo.

O que se verifica, de forma frequente, é que os aplicadores do Direito e os próprios legisladores estão tratando as operações e relações decorrentes da aviação civil como relações ordinárias de consumo, a justificar a aplicação prevalente, principalmente, do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, quando na verdade o setor aéreo obedece a outros parâmetros econômicos e de regulamentação internacional, que, naturalmente, vão de encontro aos parâmetros adotados para as relações de consumo ordinárias.

O discurso de que é preciso proferir decisões com vistas a punir as empresas para que elas adequem e melhorem os seus serviços se descola dos dados internacionais, já que os serviços brasileiros são mundialmente reconhecidos como de excelência operacional. Essa ótica limitada só tem fomentado uma judicialização exacerbada, com consequentes impactos financeiros e negativos para a nossa aviação civil, e que em nada contribuem para a melhora de um serviço que já é tido como exemplar. Pelo contrário.

Hoje, a judicialização, aliada aos demais custos que envolvem a operação aérea, colocam o Brasil em situação de extrema desigualdade em nível mundial, já que geram impactos na concorrência interna e consequentemente nos preços das passagens e na acessibilidade dos brasileiros a este modal.

Dentre os maiores custos suportados pelas companhias aéreas aqui no país, temos também o combustível da aviação — o preço do querosene da aviação subiu mais do que gasolina e do gás de cozinha — sendo o valor dele no Brasil já é um dos mais elevados do planeta.

Esta questão, no entanto, recentemente teve uma reviravolta, muito comemorada pelo setor, quando foi aprovada pela Agência Nacional do Petróleo, em outubro de 2021, a utilização do JET-A no mercado brasileiro, outro tipo de querosene (atualmente o Brasil comercializa apenas o JET-A1). Isso significa dizer que o seu uso no Brasil poderá estimular a importação, aumentar os players do mercado, acirrando a concorrência e gerando uma economia estimada de ao menos dez milhões de dólares por ano às companhias que aqui operam.

Tal mudança poderá colocar o mercado brasileiro de aviação ao lado dos maiores mercados mundiais e refletir positivamente na etapa de retomada das operações aéreas no período pós-pandemia.

Da mesma forma, é urgente que o impacto financeiro gerado pela judicialização seja revisto. Fomentada pelo acesso desmoderado à justiça em razão de mecanismos referendados pelo nosso ordenamento, como juizados especiais em determinados locais em que se poderia resolver eventual incidente de forma administrativa ou a ausência de cobrança de custas iniciais para ingresso com ação judicial, além da resistência na aplicação das legislações específicas que regulamentam o setor aéreo, a judicialização influencia e impacta diretamente os custos da operação no Brasil.

É preciso que se busque e se incentive a utilização de meios/ferramentas administrativas para a resolução desses conflitos, já que elas existem e têm um resultado extremamente satisfatório — como é o caso da plataforma do consumidor.gov — e que o Judiciário seja, portanto, apoiador dos métodos extrajudiciais de resolução de conflitos, colocando-se na posição que lhe cabe, de última alternativa a ser invocada.

A judicialização não pode ser mais um obstáculo para o desenvolvimento do setor aéreo brasileiro, já que, além de ser prejudicial para a aviação civil, também tem impactos negativos para o Judiciário, que já mostra sinais de saturação, com cerca de 80 milhões de processos tramitando (incluindo processos relacionados ao setor aéreo e demais setores econômicos), e para os próprios passageiros, ante o impacto direto no valor das passagens aéreas.

É preciso avaliar as consequências deste ciclo e rever essa dinâmica, pensando também no direito com um viés econômico. A alta demanda no Judiciário é uma preocupação para todas as empresas, de todos os setores da economia, e é uma questão cultural que precisa ser tratada.

Especialmente para o setor aéreo brasileiro, essa revisão é crucial para que volte a crescer, e para que se atraia novas empresas. Tudo isso terá impactos positivos inclusive para os passageiros, já que, sendo um mercado atrativo, aumenta-se a concorrência do setor e, consequentemente, a oferta de bilhetes com preços diferenciados e menores, mais acessíveis.

É a hora de se fazer ajustes para que se chegue a um maior equilíbrio e não se corra o risco de reviver um passado distante em que a aviação brasileira era limitada e extremamente onerosa para os passageiros. O Brasil precisa caminhar de forma sistémica em busca do alinhamento com as melhores práticas internacionais do setor. Precisamos continuar crescendo, avançar e atrair novos players para o nosso mercado.

Julia Vieira de Castro Lins é sócia do Albuquerque Melo Advogados, CLO do contencioso cível internacional e graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

Danielle Braga Monteiro é sócia do Albuquerque Melo Advogados, CLO do contencioso cível de escala e estratégico e graduada pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND-UFRJ).

Publicado por Conjur