O assunto, é bom reforçar, nada tem a ver com o revenge porn, ou pornografia de vingança, quando uma das partes expõe
publicamente o conteúdo íntimo de um ex-parceiro de forma vexatória
A escritora Gabriela Oliveira, de 40 anos, terminou o último relacionamento em janeiro, com carinho e respeito. Depois do luto, viu-se diante de um dilema: o que fazer com as fotos e vídeos quentes, trocados com o ex nos seis anos em que estiveram juntos? “Confesso que não costumo apagar esse tipo de conteúdo quando vivo uma relação. Coloco os nudes em uma pasta com senha, dentro do WhatsApp, por medo de vazamento”, conta ela. O motivo? “Fetiche. Gosto de rever o material. Claro que, se a relação tivesse terminado de forma traumática, não conseguiria assistir. Mas, se for de maneira pacífica, separo para ver de vez em quando.”
Quando o relacionamento acaba, qual destino dar ao conteúdo íntimo compartilhado? “A troca é comum, e o ideal é combinar antes o que fazer com o material caso terminem, mesmo que, naquele momento, ninguém esteja pensando nisso”, diz Denise Figueiredo, psicóloga especialista em relacionamentos amorosos e cofundadora do Instituto do Casal.
O assunto, é bom reforçar, nada tem a ver com o revenge porn, ou pornografia de vingança, quando uma das partes expõe publicamente o conteúdo íntimo de um ex-parceiro de forma vexatória, configurando crime. É sobre o que é ético fazer e até onde vai o direito de seguir acessando imagens do outro. Para a Justiça, não há consequências legais.
“Se não tiver nada expresso sobre apagar conteúdos em um contrato de namoro ou escritura de união estável, não há proibição (de continuar acessando o material)”, afirma a advogada Tatiana Naumann. Ela explica ainda que é possível, no entanto, entrar com uma notificação extrajudicial para que o conteúdo seja deletado. Mas é preciso confiar na palavra do ex, uma vez que não há como verificar se o pedido foi realizado.
O gerente financeiro Fred Silva, de 34 anos, crê que o correto é sempre apagar, mas admite: quando está na fossa, tem dificuldade de se desprender das mídias. “Durante o período de luto de uma relação, se eu ainda tiver esperanças (de voltar), posso manter as fotos, os vídeos e as conversas”, diz. “Depois de um tempo, deleto tudo, para realmente acabar com o vínculo.”
Foi assim, sem pensar muito, que a matemática Adriana Monteiro, de 28 anos, manteve, por anos, entre pastas, algumas vezes, mas com tristeza, não com tesão”, admite. Até que, tempos depois, já em um novo relacionamento, Adriana refletiu sobre o assunto e apagou tudo. “Com o fim da relação, essa troca também deve ter um fim. Não é como guardar um livro que a pessoa te deu, é algo mais sério, e ainda existe um risco de vazar.”
Para Denise Figueiredo, desfazer-se do passado é a melhor escolha. Usar o material produzido na relação anterior para sentir prazer ou viver uma espécie de melancolia não é aconselhável. “Ficar voltando, remoendo, não faz bem. As comparações são inevitáveis. Feche essa página, porque você vai viver outras histórias e outros encontros. É importante se questionar. “Com qual finalidade estou vendo isso?'”, instiga a especialista.
Encontrar caminhos mais éticos para um aspecto tão relevante nas relações atuais se torna essencial para pensar como vai ser o futuro delas. “Quando enviamos nudes, existe consentimento em uma determinada circunstância, o que não quer dizer que essa permissão é eterna. Quando o relacionamento acaba, não há mais aquela intimidade”, afirma a sexóloga Paula Napolitano.
“Então, apagar, demonstra respeito à privacidade e à intimidade da pessoa. E evita o risco de vazamento”. Ela destaca ainda que manter mídias íntimas pode dificultar o desligamento emocional. “Muita gente fala: ‘Não vou apagar porque isso faz parte da minha história’. O que vocês viveram é de vocês. Se quer ter uma lembrança, mantenha outras fotos, como de comemorações e viagens.”
Para evitar problemas como esses no futuro, vale sempre o diálogo. E também enviar a mídia de forma temporária, em visualização única. Ou, quem sabe, só viver o momento. Sem registrá-lo.
Publicado por Globo