Mortes do menino Henry e da médica Sabrina têm pontos em comum. Entenda

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Mortes do menino Henry e da médica Sabrina têm pontos em comum. Entenda

Após a coletiva de imprensa sobre o caso do menor de 4 anos Henry Borel, a apresentadora e âncora do Estúdio I Maria Beltrão, ante a prematura e — ao que tudo indica, criminosa morte da criança — não conteve suas lágrimas. O Brasil chorou junto.

Não é fácil saber que uma violência familiar que vinha sendo anunciada desde pelo menos 12 de fevereiro deste ano não tenha sido estancada. Porém, chama atenção no caso a culpa que automaticamente recaiu sobre a mãe, tendo sido o agressor tirado do foco principal pelo clamor popular ao longo das investigações, mesmo após outros relatos de violência doméstica. E ainda: por que o pai, após os relatos do menor de maus-tratos, não requereu a guarda? É importante esclarecer que não incumbia só à mãe o poder/dever de denunciar.

O caso que inicialmente foi tratado como acidente doméstico, no curso das investigações e pelas múltiplas lesões de alta energia, tomou outro rumo. Isso levou à prisão temporária da mãe e do padrasto, que deve ser convertida em prisão preventiva.

Outro caso que salta aos olhos e que também demonstra que a violência doméstica atinge a todas as classes é o da médica Sabrina Nominato. Uma mulher bem sucedida, residente em área nobre de Brasília, foi encontrada morta em seu apartamento. Primeiramente, seu caso foi tratado como suicídio, o que causou o espanto e o estranhamento de seus amigos e familiares.

As investigações, no entanto, mostraram que a mesma vinha sofrendo violência doméstica, o que levou a história a tomar outro rumo.

Por medo ou vergonha, o agressor de Sabrina nunca foi denunciado. Esse fato, infelizmente, é comum em uma sociedade que descredibiliza a palavra da vítima.

Chama atenção que em ambos os casos aqui tratados, estamos falando de pessoas com alto poder aquisitivo, o que rompe com o estereótipo de que a violência doméstica/familiar só acontece na população de baixa renda. Em virtude das subnotificações no registro dos principais indicadores, os números oficiais não refletem a realidade dos casos no país. Ou seja, ainda existem muitos episódios de violência que, mesmo após 14 anos da Lei Maria da Penha, não entram nas estatísticas oficiais. Subnotificação que se apresenta mais ou menos intensa a depender do estado, no caso brasileiro, e também da classe social.

Durante a pandemia, o que já era ruim pode ter piorado. Os dados que indicaram diminuição do registro de ocorrências, de acordo com informações divulgados no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, podem indicar ainda mais dificuldades para denunciar este tipo de violência.

Estudos apontam que se mulheres negras e pobres enfrentam questões como a dificuldade de acesso aos sistemas de saúde e de proteção, mulheres de classes altas podem sofrer com o estigma relacionado a este tipo de denúncia. Seja como for, é mais que sabido que o silêncio não protege as vítimas. Comprovadamente, tanto a violência doméstica como a familiar são escalonadas: começam com a violência psicológica e podem, infelizmente, culminar em feminicídio/ homicídio. Por isso, é importante que ao primeiro sinal de agressão — seja ela física, psicológica ou verbal — a vítima denuncie.

Muito provavelmente, se qualquer dos responsáveis pelo cuidado do menino Henry tivesse exercido o dever de comunicar às autoridades as agressões relatadas no dia 12 de fevereiro, não estaríamos falando de um homicídio duplamente qualificado, mas sim de mais uma lamentável síndrome da criança espancada. Ou seja: denuncie qualquer tipo de violência doméstica e familiar, seja ela cometida por pais, padastros ou maridos.

* Tatiana Moreira Naumann é é especialista em Direito de Família e sócia do escritório Albuquerque Melo

 

Publicado por O Globo