Antes de adentrar a fundo no tema proposto, é importante apresentar um breve conceito sobre o instituto da prescrição, que nada mais é do que a perda da pretensão de quem possui um direito e não o exerce no tempo previsto em lei.
Portanto, entende-se que, se uma pessoa possui um direito, mas deixa de exercê-lo em determinado tempo, esse direito deixará de ser exigível na justiça em razão do transcurso do prazo. É por isso que costumamos ouvir que “o direito não socorre a quem dorme”.
E o que seria, portanto, a prescrição intercorrente? Definimos como sendo a perda do direito de exigir judicialmente algo que foi violado, por inércia do autor da ação. Ela ocorre no curso do processo, quando a ação fica parada por tempo determinado.
A diferença da prescrição convencional para a intercorrente é que esta ocorre no transcurso de algum processo. Essa modalidade de prescrição, intercorrente, encontra guarida na Constituição, em seu artigo 5°, LXXVII, quando ela protege a duração razoável do processo. Assim, a inércia do autor de uma ação judicial poderá culminar com a prescrição intercorrente.
O antigo Código de Processo Civil nada falava sobre a prescrição intercorrente. Até porque, vale lembrar que a Constituição é posterior à edição do revogado código. No entanto, ela era tratada na Lei de Execução Fiscal desde 1980, em seu artigo 40, que versa sobre a suspensão da execução e da própria prescrição, por um ano, caso não fossem encontrados bens do devedor para penhora.
Da mesma forma, essa modalidade de prescrição já era um entendimento doutrinário e jurisprudencial adotado parcialmente pelas Cortes, o que acabava gerando uma verdadeira instabilidade jurídica, já que não havia uma previsão legal de extinção de um direito por inércia de seu titular, tampouco se tinha um entendimento único sobre o tema.
Não raro, portanto, eram encontradas decisões conflitantes sobre o assunto, ao passo que cada magistrado possuía um entendimento do que seria a inércia do autor da ação.
Em 1963, o Supremo Tribunal Federal, tentando dar as primeiras diretrizes sobre o tema, editou a Súmula 264, que previa: “verifica-se a prescrição intercorrente pela paralização da ação rescisória por mais de cinco anos”. Foi então que, pela primeira vez, estabeleceu-se algum parâmetro do que se entendia por inércia do titular da ação.
Já em 2003, entrou em vigor o atual Código Civil. Nele, evidente, não há um conceito expresso para o instituto da prescrição intercorrente, ao passo que é um tema processual, mas já encontram-se reguladas as hipóteses de interrupção da prescrição, conforme disposto no artigo 202.
Chama atenção, no entanto, que o parágrafo único deste mesmo artigo menciona que “a prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper”. Percebe-se, aqui, uma menção subliminar à prescrição intercorrente.
Somente em 26 de agosto de 2021, com a edição da Lei 14.195, a prescrição intercorrente veio a fazer parte, expressamente, do nosso ordenamento jurídico. Agora, existe uma regra bastante clara de quando e como isso ocorre.
Para que seja declarada a prescrição intercorrente, deve ser observado o procedimento descrito no artigo 921 do Código de Processo Civil. Isso porque, quando não forem localizados bens do executado, o magistrado determinará a suspensão da execução, que assim permanecerá pelo prazo de um ano. Nota-se que esta previsão trazida pelo Código de Processo Civil foi inspirada na própria Lei de Execuções, que assim já dispunha.
Durante esse prazo, portanto, não há que se falar em prescrição, pois ela estará suspensa, junto com o curso da execução. Transcorrido este prazo, sem que sejam localizados bens do executado e sem que haja manifestação do exequente, o juiz determinará o arquivamento do feito
Vale lembrar, todavia, que eventual morosidade do judiciário não poderá ser entendida como motivo para declarar a prescrição intercorrente. Inclusive, preocupado com o tema, o Superior Tribunal de Justiça editou a Sumula 106, que prevê que “proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da arguição de prescrição ou decadência”.
Portanto, agora, as dúvidas sobre como contar o prazo de prescrição intercorrente acabaram, ficando muito mais fácil e colocando uma pá de cal na insegurança jurídica que havia ao redor do tema. Compete, portanto, a parte interessada, se manter diligente, atenta ao andamento processual, evitando, assim, a declaração da prescrição intercorrente.
Renata Martins Belmonte é líder de equipe do escritório Albuquerque Melo nas áreas de Recuperação de Crédito e Direito Aeronáutico, generalista em Direito Civil e Processo Civil e especialista em recuperação de créditos e Direito do Consumidor.
Publicado por Conjur