Lei da Alienação Parental segue entre críticas e defesas

Lei da Alienação Parental segue entre críticas e defesas

Em vigor desde 26 de agosto de 2010, a Lei nº 12.318, conhecida como Lei da Alienação Parental, chegou aos 15 anos neste mês em meio a fortes divergências. Criada para coibir condutas de um dos genitores que manipulam o filho contra o outro, a norma se consolida como um dos temas mais polêmicos do Direito de Família . Os defensores veem nela um instrumento necessário para proteger crianças em disputas judiciais. Críticos, porém, alertam que a lei nasceu de uma base frágil e vem sendo usada de forma distorcida, em especial contra mulheres que denunciam situações de violência.

O assunto voltou a ganhar destaque recentemente no noticiário. O cantor Murilo Huff, pai do filho da ex-cantora Marília Mendonça, alegou alienação parental contra a avó da cantora. A Justiça entendeu haver queixas suficientes e determinou a retirada da guarda. O caso reacendeu o debate sobre os alcances e limites da legislação.

Para a advogada Tatiana Naumann, especialista em Direito de Família e Violência Doméstica, a lei é útil quando aplicada com acompanhamento técnico . “Muitas pessoas não sabem identificar a alienação parental, que costuma aparecer em meio a outro processo. A lei permite abrir um incidente específico, com avaliação por equipe comprometida”, afirma.

Tatiana admite que a legislação foi concebida “partindo da ideia de que a mulher seria a alienadora”, no entanto, diz que, estatisticamente, os homens praticam alienação parental em maior número. Entre os exemplos, cita casos em que um genitor mina a imagem do outro por meio de comentários depreciativos, que deixam marcas de rigor. “É uma violência silenciosa, mas com efeitos profundos”, diz. Para advogada, seria necessário suportar as consequências jurídicas. “Hoje, as deliberações são brandas. Em situações graves, deveria até ser tipificado como crime. Uma lei sem punições contundentes perde força. ”

Ao longo de sua experiência, ela observa que a lei é constantemente manipulada. “Já tive cliente que limitou visitas para descobrir que o pai usava drogas. A ocorrência dele foi acusá-la de alienação parental. Isso mostra o quanto a lei pode ser usada como ameaça, mas também a importância de uma avaliação técnica para não punir injustamente”, destaca.

Apesar das falhas, Naumann defende a manutenção da norma. “É melhor contar com esse instrumento, ainda que passível de melhorias, do que deixar as crianças desprotegidas em meio às disputas familiares”, conclui.

Na outra ponta, a advogada Vanessa Paiva, especialista em Direito de Família e Sucessões, entende que a lei deveria ser revogada. Para ela, a origem já exige a validade. “A norma nasceu da chamada síndrome da alienação parental, que nunca foi reconhecida por nenhuma entidade científica. Criou-se uma lei baseada em um conceito sem sustentação”, afirma.

Vanessa lembra que o psiquiatra Richard Gardner, criador da teoria, foi alvo de diversas críticas por relativizar condutas de pedófilos. “Ele atribuía à mãe a responsabilidade quando uma criança rejeitava o pai. Esse viés contaminou o debate. No Brasil, a lei não faz referência a gênero, mas, na prática, quase sempre é usada contra mulheres”, critica.

Segundo ela, o ordenamento jurídico já oferece mecanismos suficientes para proteger as crianças, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Constituição e o Código Civil . “O caminho é fortalecer protocolos de escuta especializados, perícias de qualidade, atuação do Conselho Tutelar e do Ministério Público. Não precisamos de uma lei baseada em conceito frágil para garantir a proteção integral”, sustenta.

A advogada cita casos em que a lei foi utilizada de forma indevida contra mães que denunciaram violência . Em um deles, uma menina relatou abuso sexual por parte do pai, mas a investigação foi arquivada. A denúncia acabou sendo interpretada como falsa acusação, o que enquadrou a mãe como alienadora. “É um caso emblemático do quanto a lei pode inverter papéis, descredibilizar a vítima e deixar o verdadeiro agressor impune”, afirma.

Segundo ela, a revogação da norma é defendida também por organismos internacionais. “A ONU recomenda que nenhum relato de abuso seja descartado com base em uma teoria sem validade científica. O foco deve ser capacitar juízes, promotores, psicólogos e assistentes sociais para lidar com a violência doméstica e o abuso infantil, aplicando os princípios constitucionais que já existem”, completa.

Quinze anos depois, a lei segue em vigor, mas sem consenso. O que há, de forma unânime entre especialistas, é o reconhecimento de que o centro de discussão deve ser a proteção da criança e do adolescente — seja por meio da manutenção e aprimoramento da legislação, seja pela criação de alternativas que considerem conta de garantir seus direitos em meio a conflitos familiares.

Fonte: Jornal do Comércio