‘Ele se desfez do nosso patrimônio’: entenda como a Lei Maria da Penha protege os bens das mulheres

‘Ele se desfez do nosso patrimônio’: entenda como a Lei Maria da Penha protege os bens das mulheres

“Ele já queimou minhas roupas, fez ofensas e ameaças, mas nunca me bateu”. “Ele aproveitou o momento logo após o anúncio da separação e se desfez do nosso patrimônio, especialmente da parte da empresa que eu tinha ajudado a construir”. “Eu fui obrigada a gastar milhares de reais que não tinha pagando advogados para responder a ações absurdas que ele propôs em sequência”. Quem nunca ouviu relatos parecidos com esses? E quantas, dentre as que escutaram, identificaram essas ações como uma forma de violência sofrida pelas mulheres? Para resguardar situações como essas, a lei Maria da Penha tipifica diversos tipos de violências além da violência física: a psicológica, sexual e moral e patrimonial.

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Pouco conhecida, a violência patrimonial se caracteriza pela destruição de objetos, documentos ou bens. Como se sabe, a violência contra mulher geralmente ocorre de forma escalonada, ou seja, pode começar na forma da violência psicológica e, se não for combatida e denunciada, pode culminar até mesmo em um feminicídio.

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Além disso, não é raro que exista um abuso do poder econômico dos homens e parceiros em relação às mulheres. Estes muitas vezes usam seus privilégios financeiros e do fato de serem mais bem sucedidos para praticar formas veladas de violência. Essa violência muitas vezes tem desdobramentos inclusive nas varas de família. Homens que, na grande maioria dos casos, estão em condição financeiramente superior usam o poder econômico para manter as mulheres como reféns de seus desmandos.

Nos finais de semana em que estão com os filhos, proporcionam coisas que só o dinheiro pode comprar… E, de forma recorrente, usam o poder econômico como instrumento de pressão, deixando muitas vezes as mulheres com a falsa sensação de que, por exemplo, perderão a guarda de seus filhos por terem uma situação financeira mais vulnerável.

Muitas vezes, portanto, a violência patrimonial acaba em alienação parental em razão da desqualificação da mulher, justamente porque muitas das vezes não temos o mesmo poder econômico que eventuais parceiros.

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No entanto, deve ser observado que, nos casos de violência doméstica — seja em que modalidade ela ocorrer —– é direito previsto na lei Maria da Penha o requerimento de medidas protetivas.

O Brasil ainda não se empenha de fato na produção de dados suficientes para traçar o perfil das vítimas, agressores e impactos dessa forma de violência, informações que poderiam auxiliar no aprimoramento de políticas públicas e na prevenção.

O estupro, o feminicídio e as agressões são crimes de maior visibilidade e, consequentemente, acabam tendo uma maior produção de dados a seu respeito. Infelizmente, em relação à violência patrimonial, ainda temos muito o que fazer, combater e conhecer: de acordo com a plataforma EVA (Evidências sobre Violências e Alternativas), do Instituto Igarapé, que reúne dados da Saúde e da Segurança de todos os estados brasileiros sobre violência doméstica, em relação à violência, somente três estados especificaram aos pesquisadores que os crimes ali relatados se tratavam ou não de violência doméstica. Nos dados relacionados à Saúde, não há qualquer distinção nesse sentido, sendo que sabemos que esse tipo de violência pode ter consequências nefastas para a saúde mental das mulheres.

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De acordo com informações da plataforma Gênero e Número, dados de 2018 apontam que houve 29.270 registros de violência patrimonial naquele ano, mas apenas três estados especificaram quais destes foram casos de violência doméstica: Mato Grosso do Sul, Pará e Rio Grande do Sul. Juntos, eles somam 1.962 casos de violência doméstica patrimonial contra mulheres em 2018, um total de 6% do total do país. No MS, os casos domésticos são 25% do total desse tipo de violência, no Pará, 6% e no Rio Grande do Sul, 20%.

Nossa sociedade ainda é machista e, infelizmente, minimiza violências onde deveria combatê-las. Já passou do tempo de agir para mudar essa realidade, e por isso a violência patrimonial não pode nem deve ser negligenciada.

* Tatiana Moreira Naumann é é especialista em Direito de Família e sócia do escritório Albuquerque Melo

 

Publicado por O Globo