A decisão da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça de vetar a fixação de honorários por equidade em casos de alto valor foi comemorada como uma vitória da advocacia pelos operadores do Direito consultados pela ConJur.
Os principais benefícios apontados foram o fim da discricionariedade dos juízes ao estipular honorários nesse tipo de ação; o respeito à intenção do legislador, que incluiu previsões específicas no Código de Processo Civil em 2015; e a exposição do custo do processo, o que pode levar a uma redução do excesso de litigância.
Nesta quarta-feira (16/3), o colegiado do STJ decidiu, por maioria, que a fixação de honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. “É obrigatória, nesses casos, a observância de percentuais previstos nos parágrafos 2º e 3º do artigo 85 do CPC, a depender da presença da Fazenda Pública na lide, os quais serão subsequentemente calculados a partir do valor a) da condenação; b) do proveito econômico obtido; c) do valor atualizado da causa”, diz a tese aprovada.
Os artigos citados na tese estabelecem a aplicação de parâmetros objetivos para o cálculo dos honorários advocatícios diante das condenações contra a Fazenda Pública ou com base no proveito econômico do contribuinte.
Segundo o ex-advogado-geral da União Luis Inacio Adams, que defendeu a interpretação conforme o CPC em entrevista à ConJur, a decisão ajuda a equilibrar a remuneração pela atuação dos advogados e dos procuradores da Fazenda. “Eu fiz a sustentação oral nesse processo. É a vitória do tratamento equânime das partes, pois os honorários da Fazenda Pública nas execuções fiscais são fixados por um percentual aplicado sobre o valor da causa. Além disso, é confirmado o respeito ao acordo feito na elaboração da lei, e também o respeito à justa remuneração do profissional do Direito”.
O tributarista Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur Advogados, concorda. “Quando os contribuintes são réus em ações propostas pelas procuradorias, os honorários dos procuradores incidem em percentuais, e não por equidade”, explica. “Além disso, quando um débito tributário vai para a dívida ativa, as procuradorias já incluem encargos a serem cobrados dos contribuintes. No fundo, o que o CPC/15 disciplina e o STJ confirma é algo legal e que promove o equilíbrio nas lides.”
A mesma ressalva é feita por Felipe Omori, sócio de Direito Tributário no KLA Advogados. “A posição adotada pelo STJ prestigia a alteração legislativa do CPC de 2015 e dá mais objetividade para a relação entre os contribuintes e a Fazenda em juízo. Apesar dessa importante vitória, é importante lembrar que a Fazenda ainda é beneficiada com honorários maiores e sem escalonamento, como é o caso dos tributos federais inscritos em dívida ativa, que automaticamente são acrescidos de 20%, a título de honorários/encargos da cobrança da dívida”, lembra o advogado.
“Trata-se de importante decisão, refletindo o texto da lei. Destravará diversos processos que estavam paralisados e aguardavam essa definição. Não se pode esquecer que honorários são verba alimentar”, afirma Thiago Vilardo Lóes Moreira, do escritório Décio Freire & Associados.
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Para Luís Inácio Adams, Estado não pode transferir o custo da própria morosidade
Sem discricionariedade
Um dos principais pontos comemorados pelos advogados foi o fim da discricionariedade que se atribuía aos juízes na fixação dos honorários por equidade. Um exemplo já tinha sido levantado por Adams na entrevista sobre o tema à ConJur: um processo que durou 30 anos e no qual os honorários chegaram a R$ 500 milhões. De acordo com o advogado, isso deveria ter sido resolvido pelo Estado anos antes e não foi.
Para ele, é o Estado quem deve se preparar para que um processo não fique correndo por décadas sem resolução, em vez de punir os advogados com redução do percentual de seus pagamentos para compensar pela morosidade do Judiciário.
Dyna Hoffmann, sócia e CEO do SGMP Advogados, faz a mesma crítica: “A fixação de honorários por ‘apreciação equitativa’, ou seja, considerando critérios como o grau de zelo profissional e a importância da causa, permite ao juiz uma discricionariedade incompatível com o que rege o CPC de 2015 e a intenção do legislador, que previu essa hipótese apenas para o §8º. O art. 85 do CPC e seus parágrafos são taxativos e claros ao prever cada caso, não cabendo ao magistrado qualquer julgamento ampliativo, especialmente quanto a um suposto honorário inadequado por exorbitância”, defende.
Vontade do legislador
Os advogados também apontam que a decisão ajustou a interpretação da lei à intenção do legislador. Quando foi sancionado, o Código de Processo Civil de 2015, ao substituir a versão anterior, de 1973, trouxe mudanças para limitar as hipóteses em que o juiz pode fixar honorários com base em equidade, como destaca Aloísio Costa Junior.
“Então, por uma interpretação histórica da lei, não cabe estender o uso da equidade às causas de maior valor, especialmente considerando que o conceito de ‘valor exorbitante’ é extremamente subjetivo”, afirma ele.
“Além disso, a ideia de que causas de grande valor podem levar a uma ‘remuneração exagerada’ do advogado ignora o critério legal de que os honorários devem ser calculados também com base na natureza e importância da causa, ou seja, de que o advogado também deve ser remunerado pela responsabilidade que assume no processo”.
É o mesmo ponto levantado também por Dyna Hoffman. “Não se trata de dar aos honorários advocatícios função sancionadora. Trata-se de dar à lei a interpretação e aplicação condizente com o texto legal e a vontade do legislador. Foi uma grande vitória”.
Luiz Felipe Bulus, sócio do escritório Eduardo Ferrão Advogados, concorda. “A decisão foi muito importante para a advocacia, mas, sobretudo, demonstrou respeito ao Poder Legislativo e ao CPC, uma vez que a redação do artigo 85, §§2º, 3º e 8º é bastante clara. Na minha opinião, essa discussão nunca fez muito sentido”.
Julia Viera de Castro Lins, sócia do Albuquerque Melo Advogados, completa: “O julgamento confirma o real propósito quando da inclusão, no CPC, dos percentuais de honorários, que foi uma conquista dos advogados, além de assegurar e valorizar o trabalho desenvolvido pela classe, evitando a banalização da remuneração da nossa profissão”.
Bruno Teixeira, sócio do TozziniFreire Advogados, afirma que cabe ao juiz aplicar a vontade do legislador nacional. “O Superior Tribunal de Justiça mais uma vez homenageou o processo legislativo do Brasil e deixou de lado o posicionamento ativista. Tenho que a decisão está de acordo com o sistema jurídico brasileiro”.
Efeitos da decisão
Os advogados preveem que o principal efeito da decisão será uma redução da litigância temerária, tanto por parte da Fazenda, que terá de ponderar mais sobre as ações de cobrança, quanto por parte dos advogados, que terão de avaliar mais os riscos de um processo.
Georges Abboud, que é advogado, livre-docente pela PUC-SP e professor da PUC-SP e do IDP, afirma que, além de observar a legalidade, a decisão do STJ tem o benefício de expor o custo real do processo para quem litigou. “Quem quer litigar deve conhecer o risco de perder, até para o sistema não ser um incentivador do litígio irresponsável, a qualquer custo”.
“O litígio, hoje, no Brasil, praticamente não apresenta risco para quem tem condições financeiras. Ressaltando que essa decisão não muda em nada os casos das pessoas hipossuficientes, que continuarão podendo fazer uso do benefício da assistência judiciária”, completa Abboud.
“O maior impacto dessa decisão, sem dúvida, será para a própria advocacia, que deverá buscar ainda mais a litigância responsável, avaliando criteriosamente os riscos de demandar em juízo, deixando-os cada vez mais claros para seu cliente”, afirma Dyna Hoffmann.
“Após essa importante decisão, as Procuradorias Fazendárias terão um maior cuidado antes de ingressarem com cobranças indevidas em face dos contribuintes”, completa Eduardo Natal.
Decisão é vitória da OAB, que organizou a advocacia na defesa da aplicação do CPC
Vitória da OAB
O resultado do julgamento pode ser considerado uma grande vitória da Ordem dos Advogados do Brasil, que se organizou na defesa da aplicação literal do artigo 85 do CPC. A Ordem levou aos autos diversos pareceres de juristas, tributaristas e especialistas em Direito Econômico e Direito Civil.
Beto Simonetti, presidente do Conselho Federal da OAB, se pronunciou sobre o resultado logo após o julgamento: “Vitória importantíssima no STJ. É uma matéria ainda não pacificada no Supremo Tribunal Federal, vide os julgamentos recentes. Entretanto, valho-me aqui na tribuna das palavras recentes do ministro Alexandre de Moraes, que, em voto sobre o tema, afirmou que não há razão para que a verba honorária seja fixada por apreciação equitativa. O magistrado registrou — o que reputo importante — que este STJ, a quem cabe a interpretação do direito infraconstitucional, compreende que o CPC tornou mais objetivo o processo de delimitação da verba sucumbencial, restringindo a subjetividade do julgador”, afirmou Simonetti.
Marcus Vinicius Furtado Coêlho, presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB, também comemorou a decisão. “Desde quando a OAB lutou para incluir no CPC os percentuais de honorários, essa é a vitória que dá efetividade e concretude aos honorários dignos para a advocacia. A efetividade do CPC assegurada pela Corte Especial do STJ é conquista histórica da cidadania, do Estado de Direito e da advocacia”.
“A advocacia, neste momento, se vê contemplada e aliviada por esta vitória em sede de honorários advocatícios. O novo CPC disciplina de modo inequívoco a questão e deve ser a baliza de todas as interpretações judiciais nesse sentido”, acrescentou Claudio Lamachia, ex-presidente da OAB e membro honorário vitalício da entidade.
“A regra do §8º do artigo 85 do CPC de 2015 é demasiadamente clara, fruto de uma opção legislativa válida e democraticamente incorporada ao ordenamento jurídico. Quando a lei diz que os honorários sucumbenciais só poderão ser arbitrados por equidade nas causas em que inestimável ou irrisório o proveito econômico ou quando muito baixo o valor da causa, ali está consagrada uma escolha consciente do legislador, que não pode ser validamente alterada pelo Poder Judiciário sem ofensa ao princípio basilar da separação das funções estatais”, comentou Marcos Meira, presidente da Comissão Especial de Direito de Infraestrutura do Conselho Federal da OAB.
Publicado por ConJur