Breves comentários ao comportamento contraditório no âmbito processual civil

Breves comentários ao comportamento contraditório no âmbito processual civil

A abrangência deste conceito na esfera do Direito Civil, especialmente no Direito das Obrigações e dos Contratos, é amplamente admitida e reconhecida pelos operadores do direito.

Os princípios caracterizam-se como normas gerais e abstratas e tornam-se cada dia mais essenciais nas relações jurídicas, considerando a rápida evolução tecnológica e das relações interpessoais. Nessa linha, um instituto de grande repercussão no ordenamento jurídico atual é o do “venire contra factum proprium”.

Em uma análise inicial desse instituto, o i. Felipe Braga Netto1 assim o descreve: “Cuida-se, em síntese, do dever de não agir em contradição com os próprios atos. A aplicação da teoria pode ocorrer em situações negociais variadas. Por exemplo, quando uma parte, intencionalmente ou não, faz crer à outra que determinada formalidade não é necessária, incorrendo em contradição com seus próprios atos quando, mais tarde, pretende amparar-se nesse defeito formal para não cumprir sua obrigação; quando, apesar da nulidade, uma parte considera válido o ato, dele se beneficiando, invocando a nulidade posteriormente por deixar de interessá-la.”

A abrangência deste conceito na esfera do Direito Civil, especialmente no Direito das Obrigações e dos Contratos, é amplamente admitida e reconhecida pelos operadores do direito. A importância do venire contra factum proprium no ordenamento, nos ensina que tão valioso quanto o cumprimento de obrigações é a segurança jurídica, a boa-fé objetiva e a convivência social, fatores que atuariam para a manutenção do negócio jurídico baseado numa confiança legítima.

A ideia trazida pelo instituto é tão essencial num ordenamento jurídico que pode até mesmo ser encontrado, analogamente, no sistema de Common Law – sistema vigente no Reino Unido, EUA, entre outros países – a partir da máxima de equidade chamada “he who comes into equity must come with cleans hands“. Em uma compreensão ampla, pode-se entender essa máxima, no sentido de que quem busca a equidade e a efetivação de um direito, deve sempre ter agido com boa-fé e preservado a confiança criada entre indivíduos, de forma que o contrário leva a impossibilidade de quaisquer exigências na Corte.

Mas quais os seus impactos no âmbito do sistema processual civil brasileiro? Também neste prisma, o instituto serve como norte para a repressão do comportamento contraditório de um indivíduo para com um outro, numa relação em que houve legítima confiança, criada inicialmente a partir de um comportamento processual anterior – isto é, a ação ou omissão inicial – e que produziram efeitos lícitos e válidos no processo, se mantendo estável com o tempo.

Em que pese o Código de Processo Civil não positivar o referido princípio expressamente, em diversos artigos – como exemplo citamos os artigos 5º, 276 e 278 – podemos notar correlação com o conceito de que é vedado aos atores do processo adotarem comportamentos contraditórios, de forma que devem agir, no curso dele, sob os ditames da boa-fé e cooperação processual.

Entretanto, a vedação só tem sentido no contexto em que forem feridas legítimas expectativas processuais e quebrada a confiança de que os sujeitos do processo agirão segundo aqueles mandamentos, conforme imposição do sistema processual. O que se pretende aqui, é proteger a confiança entre as partes.

O instituto, na esfera processual, possui, por sua vez, aplicação subsidiária, considerando que não necessita ser invocado quando a contradição/ilicitude for contemplada pelo sistema, já que neste caso, por estar positivada, sua sanção já estará prevista, de modo que não haverá espaço para se invocar a proteção da confiança.

Para extinção de situações jurídicas fundadas na vedação ao venire contra factum proprium, é preciso analisar o caso concreto individualmente, para uma apreciação valorativa da existência ou não do rompimento das expectativas processuais de um sujeito para com o outro, em uma aferição objetiva e valorativa, ou seja, sem análise das reais intenções do agente, que são irrelevantes.

Ao proibir condutas, aparentemente lícitas e possíveis, mas incompatíveis entre si, o ordenamento resguarda, através de uma preclusão lógica, a confiança e boa-fé dos sujeitos do processo, consagrando a vedação ao venire contra factum proprium no sistema jurídico processual, já que este comportamento reside em uma interseção entre o abuso de direito e a boa-fé objetiva.

Por fim, como principal finalidade do instituto na esfera processual, podemos destacar a prevenção da conduta contraditória, visando o equilíbrio da relação processual, já que torna inadmissível o comportamento posterior. Vislumbramos ainda as seguintes possíveis consequências secundárias, diante da constatação de ato processual contraditório, que afronte as expectativas decorrentes dos ditames da boa-fé e cooperação, como forma de reparar eventuais danos decorrentes: (i) ausência de produção de efeitos da conduta contraditória; (ii) sanções pecuniárias; e (iii) valoração da conduta no julgamento da demanda.

Conclui-se que o instituto aqui apresentado é de suma importância e de necessária aplicação no sistema jurídico, visto que o comportamento contraditório, que embora se revista de aparência lícita, é um ato abusivo por contrariar o princípio da boa-fé objetiva. E não por outro motivo, é que vemos a cada dia sua maior disseminação e aplicação na esfera processual civil. Um grande avanço para o sistema jurídico processual.

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1 Braga Netto, Felipe Peixoto – Manual de direito do consumidor: à luz da jurisprudência do STJ. – 13. ed. rev. ampl.e atual. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2018. Fl. 415.

Michel Douglas Silva Mendes
Michel Douglas Silva Mendes
Advogado da equipe do escritório Albuquerque Melo Advogados. Graduado pela Universidade Estácio de Sá. Pós-graduando em Direito Imobiliário pela Universidade Veiga de Almeida.
Caio Bonat Quirino de Oliveira
Caio Bonat Quirino de Oliveira
Colaborador do escritório Albuquerque Melo Advogados. Graduando em Direito da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Publicado por Migalhas