A boa-nova da IA

A boa-nova da IA

Dois em cada três brasileiros já usam a inteligência artificial.

Por Duda Teixeira

“Eu estou cansado de ouvir teoria, de ouvir falar nesse bicho de inteligência artificial. Num país que tem tanta gente inteligente, para que precisa de inteligência artificial? Por que não usamos a inteligência humana que temos aqui?”, disse o presidente Lula, em março do ano passado.

Em seu terceiro mandato, o petista fez todo tipo de acusação contra a IA: de que geraria 16 milhões de desempregados, de que acumularia todo o conhecimento humano “sem pagar um único centavo de dólar ao povo”, de que poderia consolidar “assimetrias que levam a um verdadeiro oligopólio do saber” e de que seria desnecessária, uma vez que o Brasil já tem muita inteligência humana.

“Esse povo que consegue sobreviver ganhando muitas vezes um salário mínimo, não precisa de inteligência artificial porque é suficientemente inteligente para dar a resposta que nós precisamos”, disse Lula.

Felizmente para todos que ainda têm inteligência humana, o presidente petista está longe de determinar o rumo dos acontecimentos.

Uma pesquisa da RealTime Big Data, feita a pedido de Crusoé e O Antagonista, apontou que 62% dos brasileiros já usam a inteligência artificial. Apenas 35% não a usam.

‘Entre os que utilizam as ferramentas de IA, 84% dizem que isso melhora a produtividade’

A culpa é do robô?

Autoridades do governo e ministros do Supremo Tribunal Federal, STF, acompanham a toada do presidente, com igual desconhecimento sobre o assunto.

Disse o ministro do STF Luiz Fux: “O grande protagonista dessa circulação de todas essas informações falsas ou verdadeiras ou dirigidas para as bolhas que eles próprios criam é a inteligência artificial. A culpa é do robô”.

Até o papa Leão XIV, que acaba de assumir a Igreja Católica, tem criticado a IA.

“A Igreja oferece a todos a riqueza de sua doutrina social para responder a outra revolução industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial, que trazem novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho.”

Mas, alheia aos alarmistas que preveem um cataclisma, a IA vem se disseminando rapidamente entre a população brasileira.

Conseguiu esse feito porque se mostrou fácil de usar e capaz de reduzir o tempo com tarefas burocráticas, aumentar a produtividade e ainda sugerir boas ideias.

A pesquisa da RealTime Big Data também aponta que 69% dos brasileiros consideram a IA uma aliada, enquanto apenas 17% a veem como uma ameaça.

“O novo mundo exige adaptação e entendimento. A inteligência artificial é uma ferramenta que veio pra moldar as nossas relações e o novo mercado de trabalho”, diz o cientista político Bruno Soller, sócio da RealTime Big Data.

“A população mostra claramente que já está se adaptando. Não tem qualquer sentido os governos se contraporem a essa realidade”, diz Soller.

Advogados

Uma das áreas que mais está sendo beneficiada pela IA é a advocacia.

Cerca de meia-dúzia de empresas já oferecem no Brasil serviços baseados em IA, como a busca por jurisprudência.

Ao pegar um caso qualquer, o advogado consegue mapear todas as decisões de juízes em situações semelhantes, o que pode ajudar a reforçar o seu ponto.

O profissional pode, ainda, ver quais são os argumentos que têm mais chance de convencer o juiz que julgará o seu cliente — o que lhe dá uma enorme vantagem competitiva.

“Em muitas profissões, como a de advogado, quem não souber usar a IA não terá como acompanhar os demais e ficará de fora. Todos terão de correr para se adaptar”, afirma Eduardo Freire, estrategista da consultoria de inovação Fwk.

Na hora de elaborar uma peça, qualquer uma, o advogado ainda poderá usar a IA. O software ajuda na escrita, complementando informações sobre legislação e precedentes, o que reduz o tempo gasto com atividades mecânicas.

“Muitas tarefas que antes eram realizadas por estagiários passaram a ser feitas por IA, com redução de custos operacionais, redução da margem de erro, além de permitir um acesso contínuo, 24 horas por dia, sete dias por semana”, diz Cristiane Secco diretora para Assuntos Corporativos e de Negócios do Albuquerque Melo Advogados.

Publicitários

Agências de propaganda e empresas de tecnologia precisam a todo momento preencher um documento conhecido como “pedido de proposta” (RFP, na sigla em inglês), que pode ter dezenas de páginas.

Nos RFPs, as empresas que abrem uma concorrência querem saber se aquelas que estão dispostas a fornecer o produto ou serviço estão aptas a entregar o que será pedido.

Os profissionais, assim, tinham de ler atentamente cada um dos itens, checar os certificados que são exigidos, consultar vários departamentos e indicar uma série infindável de detalhes.

O trabalho era tão desgastante e meticuloso que costumava ser feito por consultorias terceirizadas.

Atualmente, as empresas que disputam concorrências já colocam em uma pasta virtual todas as suas documentações, certificados e serviços realizados no passado.

Quando chega um novo RFP, o profissional apresenta as exigências a um programa de IA, que elabora a resposta em questão de minutos, com base nas informações previamente armazenadas.

Pessoas que publicam conteúdo nas redes sociais de maneira frequente também têm usado IA para criar imagens e textos, os quais depois são conferidos e melhorados pelos especialistas.

Professores

A IA está sendo usada para personalizar o ensino em escolas privadas e nas unidades da rede Sesi, o Serviço Social da Indústria.

Um aplicativo ajuda a identificar quais são as áreas em que o aluno precisa de reforço.

A partir daí, pode-se desenhar um formato específico para aquele aluno apreender os conceitos e desenvolver novas habilidades.

A IA elabora uma “trilha adaptativa”, com exercícios, vídeos, áudios, jogos e textos sob medida. Tudo depois precisa ser revisado pelo professor.

Em vez de uma mesma aula para todos os estudantes da sala, cada um pode ter uma experiência individualizada.

Alunos com dislexia, por exemplo, podem evoluir sem depender da leitura de textos longos.

Radiologistas

A principal contribuição da inteligência artificial para a área de saúde é no diagnóstico de imagem.

Cerca de 40% dos radiologistas brasileiros já usam a IA, de acordo com uma pesquisa da Medscape.

A IA ajudar no diagnóstico porque se baseia em milhões de exames anteriores, enquanto que um médico experiente não teria como armazenar uma bagagem tão grande.

O levantamento da Medscape também apontou que 66% dos médicos estão entusiasmados ou muito entusiasmados com as possibilidades de uso da IA.

Engenheiros de software

Um dos principais gargalos para qualquer empresa com site é que qualquer mudança na página exige semanas ou meses de trabalho dos desenvolvedores.

A inteligência artificial permite automatizar grande parte do trabalho para escrever novos códigos.

Um dos casos globais que ficaram mais famosos aconteceu com a empresa Airbnb, que loca espaços no mundo todo. Um código que normalmente demoraria dezoito meses para ser finalizado foi feito em seis semanas.

Nove em cada dez programadores já usam alguma ferramenta baseada em inteligência artificial, segundo pesquisa da Microsoft.

“Hoje, mais de um quarto de todo o novo código do Google é gerado por IA e, em seguida, revisado e aprovado por engenheiros. Isso ajuda nossos engenheiros a fazer mais e a trabalhar de forma mais ágil”, afirmou há duas semanas o diretor da Alphabet e do Google, Sundar Pichai.

Roteiristas e cineastas

Ao elaborar documentários e filmes de ficção, roteiristas buscam inspirações usando ferramentas de inteligência artificial.

Os diretores, para avaliar os diversos roteiros que são produzidos, também usam softwares de IA.

“Como os roteiros são alterados constantemente, a IA pode ajudar a encontrar problemas, como identificar se algum personagem sumiu no meio da história”, diz o cineasta Newton Cannito.

É possível, por exemplo, saber se um roteiro poderá ter apelo comercial ou não.

Histórias já existentes também podem ser adaptadas para um público específico.

Com o roteiro pronto, a IA pode produzir um storyboard, uma sequência de desenhos, com as cenas principais, para visualizar toda a estória.

As ferramentas ainda têm se mostrado muito eficientes em resumir roteiros inteiros e traduzi-los.

Jornalistas

Textos totalmente baseados em IA são previsíveis, genéricos e sem graça.

Além do mais, em assuntos de política, costumam seguir o viés da grande imprensa ou da mídia chapa-branca.

Também podem conter erros graves de informação.

Mesmo assim, a IA já é uma ferramenta importante de investigação, para encontrar informações.

A declaração de Lula sobre a IA, que começa essa reportagem, foi encontrada com ajuda de inteligência artificial.

A imagem de pessoas trabalhando que ilustra essa reportagem também foi feita por IA.

Há também programas que transcrevem rapidamente as falas de vídeos da internet. Com o texto em mãos, o jornalista pode fazer perguntas para encontrar o que deseja.

As ferramentas disponíveis atualmente ainda são capazes de esboçar um texto a partir da transcrição do vídeo.

Mas cabe aos jornalistas, assim como todos os demais profissionais citados nessa reportagem, avaliar o material, revisá-lo, aprová-lo e assumir a responsabilidade por ele.

Aumenta o desemprego?

Sempre que uma inovação surge, pessimistas saem dizendo que empregos serão eliminados.

Mas esses prognósticos catastrofistas nunca se confirmaram.

Em 1964, o presidente americano Lyndon Johnson criou a Comissão Nacional de Tecnologia, Automação e Progresso Econômico, para verificar se a inovação destruiria postos de trabalho.

Dois anos depois, o desemprego tinha caído para 3,8%, sem que qualquer medida fosse tomada.

A rejeição do governo Lula às novas tecnologias ainda tem um elemento extra: o PT nasceu no movimento sindical.

Sendo assim, a rejeição a qualquer ganho de produtividade é uma característica intrínseca da sigla, tanto quanto o apoio a Cuba ou o antiamericanismo.

Mas a história mostra que sempre que a produtividade elimina postos de trabalho, outros são criados.

Se é verdade que há menos camponeses e alfaiates no mundo hoje, é certo que outras profissões proliferaram, como tatuadores, massagistas, cientista de dados, engenheiro de prompt e influenciadores digitais.

Neste mês, o governo Lula comemorou uma taxa de desemprego de 7%, a menor para os primeiros três meses de um ano desde o início da série histórica, em 2012.

E isso com a inteligência artificial sendo adotada por 62% dos brasileiros.

Existem, claro, preocupações com o vazamento de dados e o respeito aos direitos autorais.

Mas, em vez de se opor à inteligência artificial por princípio, o governo Lula, o STF e o papa Leão XIV fariam melhor para a sociedade se entendessem as vantagens que a IA já trazem para milhões de trabalhadores brasileiros.

Fonte: Crusoé